E, mais do que isso, passou a ajudar a família dele, mulher e três filhos pequenos, com dinheiro e cestas básicas. No horizonte, ela só enxergava uma coisa: o futuro daquelas crianças.
A coordenadora do departamento de Qualidade de Vida da Unifesp investigou o histórico de 600 pacientes internados em dois hospitais em São Paulo. Eles tinham diagnóstico de infarto ou insuficiência renal e a maioria relatou episódio marcante de estresse emocional com ressentimentos um ano antes da doença.
“Nós temos desemprego, morte, mudança de residência, divórcio. Tem pesquisas que mostram que de seis meses a um ano e meio depois que você teve uma mágoa, um ressentimento de alguma forma, você tende a desenvolver um tumor”, afirma Denise Pará Diniz, coordenador Departamento de Estresse e Qualidade de Vida da UNIFESP.
Maria Aparecida buscou a religiosidade para curar as dores provocadas por uma traição.
“Eu fui casada durante mais de 20 anos e um dia descobri que uma terceira pessoa havia entrado na nossa vida. E isso culminou em uma separação. Passei a tomar remédio para pressão alta. E comecei a ter tendinites, gastrite. E tudo isso provocado por aquele sentimento. É como se eu tivesse carregando o mundo nas minhas costas”, conta Maria Aparecida Vieira da Silva, assistente social.
A fé e reflexão iluminavam os caminhos e trouxeram a paz.
“E aí, comecei em um exercício de alto perdão. Eu me perdoava por estar sentindo tudo aquilo e não ter dado conta de transformar toda aquela raiva em amor, que era o que eu precisava fazer para que eu me perdoasse e pudesse perdoar a pessoa que eu amei tanto e que tinha ido embora”, lembra Maria Aparecida.
Há quatro anos, Daisy Guerra ouviu o que nenhuma mãe merece.
“O médico veio me falar e disse: ‘olha, na realidade os pais são enterrados pelos filhos, mas a senhora vai ter que enterrar o seu filho, porque ele não resistiu’. Abriu um buraco. Para mim, abriu um buraco no chão”, revela Daisy Guerra, comerciante.
Vida transformada por uma tragédia ocorrida na padaria da família em Indaiatuba, interior de São Paulo. Quando fechava as portas, o filho Rafael, de 25 anos, foi vítima de um assalto.
“Infelizmente, meu filho, ao invés de sair junto com todos os funcionários, soltou primeiro os funcionários e voltou porque ele esqueceu uma chave. Nesse momento que ele voltou para pegar essa chave, quando ele retornou para a porta de saída, o bandido já estava lá com o amigo dele. O bandido queria que eles se ajoelhassem e meu filho não quis ajoelhar. Foi onde ele reagiu ao assalto. Lutaram e infelizmente o Rafael levou a pior, porque ele lutou, mas descuidou da mão que estava a arma. Levou dois tiros à queima roupa. Sabe quando você fica anestesiado e não sabe de onde veio a paulada? Eu levei uma paulada e fiquei tonta. Foi a sensação que eu tive”, conta Daisy.
Ela perdeu o chão e a base da família. Já tinha ficado viúva aos 30 anos de idade e a morte do filho foi mais um golpe duro em uma semana preparada para ser especial.
“Naquela semana ia ter a formatura dele, a colação de grau. Tanto que eu que recebi o diploma dele”, lembra.
Na chácara comprada para realizar o sonho do filho ficaram as recordações e a saudade.
“Esse aqui era o xodó do Rafael. É a herança que o Rafael deixou para mim”, diz a mão mostrando o cachorro de Rafael.
Mesmo com a pior dor do mundo, a de enterrar o filho, a mãe de Rafael teve um gesto nobre e surpreendente: perdoou o assassino. E, mais do que isso, passou a ajudar a família dele, mulher e três filhos pequenos, com dinheiro e cestas básicas. No horizonte, ela só enxergava uma coisa: o futuro daquelas crianças.
“Fiquei com dó. Uma criança de 3 meses, uma de 4 anos e a outra de 5 anos, que não tinham culpa da violência que o pai praticou na verdade. E também achei que alimentando aquelas crianças eu estaria ajudando a tirar um futuro marginal da rua”, afirma Daisy.
A ajuda sempre foi mantida em segredo por uma cabeleireira que fazia a intermediação.
“Vinha muita coisa, vinha cesta básica, muito pão, bolachas, leite. Ela mandava de tudo. Eu não sei no lugar dela se eu faria a mesma coisa. Mas, se for pensar no sentido do perdão, perdoar não é esquecer. É uma tomada de decisão”, explica Marlene de Oliveira Armagne, cabeleireira.
“Através daquele perdão que saiu espontâneo do meu coração, confesso para você, foi me aliviando. Perdoar faz bem sim”, diz Daisy.
Para a ciência, perdoar e deixar a vida mais leve é um dos muitos segredos da felicidade.
“Nós não podemos entender que a nossa felicidade depende do outro ou de alguma situação.
A forma que se vive é o mais importante e isso depende de você”, afirma Denise Pará Diniz.
“Se a pessoa não conhecer os seus valores, não olhar para si mesma e para as suas oportunidades, e não construir um caminho no qual ela se reconheça, dificilmente ela vai poder olhar para a sua vida e dizer que foi feliz”, destaca Eduardo Giannetti, cientista social e escritor.
Fonte: http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2013/11/comerciante-surpreende-ao-perdoar-o-assassino-do-proprio-filho.html
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